sábado, abril 14, 2007

DO MAR


Eu estava lá e vi,
vi o mar escorrer para longe.
Eu estava lá com a minha cadeira
de um só pé, equilibrada nas rochas
e sou testemunha…
o mar tanto encurtou que quase
se resumiu à linha do horizonte.
Vi nos contornos da areia a vergasta do mar
e vi vergões vermelhos de algas
doendo aqui e além.
A chorar as pontas arqueadas das estrelas.
Senti na pele os agudos picos
dos ouriços cravados na praia
e ardeu-me os olhos
a nata cor-de-rosa das poças ao sol.
Pensei: é o sussurro dos
lábios da areia sorvendo a espuma do mar.
Censurei a areia…maltratada e
em beijo aspirando o cuspo do mar.
Descaindo os olhos vi no miolo coral do mexilhão
olhei a anémona boiando tonta na água
quente da rocha.
Então pensei: a carapaça do caranguejo
está ressequida e a pouco e
pouco o braseiro esvai as grutas: chamei
o mar e ele veio.
Não veio logo assim de repente beber-me
a mão.
Mas veio…passo a passo…avança…avança
como cauto amante de chapéu alto e
cravo na lapela.
Um manto azul cobriu-me os olhos de cristal
cantou-me na língua a frescura de
peça desdobrada …oh… a minha cadeira
foi barco …o mar navegou-me
as veias… e sem remos cortei o céu
redondo sob o sol.
Por isso não tive palavras
enxutas…a maré traçou-me
na garganta o discreto ofegar das
guelras dos peixes.
O mar ganhou-me…
e aqui estou falando a verdade
de água na boca e a castidade
dos búzios nas pálpebras.

Fernanda

Sem comentários: